Abelhas da Rainha Elizabeth II são
informadas da morte de sua soberana
Tamiris Maia Gonçalves Pereira[1]
Você sabia que na Inglaterra a tradição secular de informar às abelhas sobre a morte de um ente querido ainda existe?
Pois, é!
Pode parecer estranho, mas desde o século XVIII, informar às abelhas sobre a
morte de uma pessoa é uma tradição.
Logo após
a morte da Rainha Elizabeth II, ocorrida no dia 09 de setembro de 2022, o apicultor
real John Chapple (79 anos) se dirigiu ao apiário no jardim do Palácio de Buckingham,
amarrou faixas pretas sobre as cinco colmeias, bateu levemente em cada uma
delas e disse: “A senhora está morta, mas não vá embora. Seu mestre será um bom
mestre para você.”
Esse
mesmo ato foi realizado na residência real Clarence House, onde há duas
colmeias.
John
Chapple é apicultor oficial da rainha há 15 anos e seguindo uma tradição
folclórica inglesa, informou aos insetos sobre a morte da sua soberana. Falou
também que seu novo mestre, Charles III, continuaria a cuidar bem delas.
Informar
às abelhas sobre a morte de um ente da família é um dever crucial, caso
contrário, as abelhas abandonam a colmeia, param de produzir mel ou morrem.
Esse é um
ato de respeito, reciprocidade e agradecimento a esses pequenos animais, que fornecem
alimento abundante para a família por gerações.
Em grande
parte da Europa Ocidental: Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Holanda, França e Suíça,
desde o século XVIII, essa tradição está presente.
O ritual
de “contar às abelhas” tem origem céltica, mas se popularizou principalmente no
século XIX devido às crises e guerras ocorridas durante esse período e permanece
até os dias atuais, apesar de mais absorto.
Os Celtas
“cantavam às abelhas” os acontecimentos importantes da vida da família, uma vez
que elas eram consideradas um elo entre o nosso mundo e o mundo espiritual.
Em muitos
lugares próximos à Nova Inglaterra as abelhas eram chamadas de fadas (brownies)
e em ocasiões fúnebres diziam-se a elas: “pequenos brownies, pequenos brownies,
seu mestre (ou senhora) está morto”.
Para os Celta,
quando alguém morria e ascendia para outro mundo, logo se deparava com rios de
hidromel na travessia para a Ilha das maçãs, onde o próprio mel era abundante. Esse
rico alimento possuía o poder de atrair saúde, sustento e alegria.
Percebeu a
importância do mel e das abelhas?
Essa
prática de “contar às abelhas” sobre a morte de alguém, também está relacionada
ao simbolismo da “alma que deixa o corpo” e transita para outro mundo.
A representação mais difundida dessa tradição de informar aos
pequenos insetos sobre a morte de um indivíduo, pode ser encontrada no poema de
John Greenleaf Whittier, de 1858, “Falando às abelhas”:
Diante
deles, sob o muro do jardim,
Para
a frente e para trás,
Foi
cantando tristemente a pequena menina,
Drapeando
cada colmeia com um pingo de preto.
Tremendo,
eu escutei: o sol de verão
Tinha
o frio da neve;
Pois
eu sabia que ela estava dizendo às abelhas de um
Partiu
na jornada que todos nós devemos ir!
Nesse
poema, um orador anônimo diz que ao voltar à casa de uma pessoa amada depois de
um ano, encontra o jardim e todos os outros objetos no mesmo lugar, exceto as
colmeias de abelha da família.
Nota, então,
que essa não é uma simples mudança, principalmente ao perceber que uma menina passa
entre as colmeias colocando pedaços de tecido preto sobre elas e cantando uma
melodia triste, anunciando a morte da dona da casa.
Esse
poema mostra a importância do ritual de transmissão da dor humana às abelhas e
reafirma a existência da íntima relação homem/abelha, que é mantida e
preservada.
Geralmente,
cobrir cada colmeia com um pano preto à meia-noite, bater suavemente uma vez em
cada uma delas e contar a triste notícia ou cantar em versos rimados a dor da
perda de alguém era parte do ritual.
Se as abelhas começassem a zumbir depois que a notícia fosse entregue, isso era visto como um bom presságio.
Por
vezes, algumas famílias exigiam que o filho mais velho mudasse as colmeias de
lugar, indicando a nova realidade da família.
Não
contar às abelhas sobre importantes eventos, poderia trazer terríveis consequências:
tenebrosos infortúnios a ela ou mesmo, o adoecimento e morte de todas as
abelhas.
Se alguma
colmeia fosse vendida e não fosse informada da morte de seu antigo dono, seu destino
não poderia ser outro: adoecimento ou morte.
Pobre
daquele que comprasse uma colmeia!
Mas afinal,
seriam mesmo as abelhas mensageiras do outro mundo? Ou apenas animais de
estimação, bem quistos pelas famílias?
Mito ou
verdade, não só nos rituais fúnebres as abelhas estavam presentes.
Elas eram
notificadas sobre grandes eventos da vida do apicultor, tais como o nascimento de
um filho ou casamento de uma filha.
Na
Bretanha era tradição decorar as colmeias para a festa de casamento com pano de
cor escarlate e flores.
Na Alemanha
os noivos deveriam se apresentar às abelhas ou teriam um casamento infeliz.
Deixavam um
pedaço de bolo de casamento sobre as colmeias como forma de retribuição pela
grande quantidade de mel fornecida para a comemoração.
Percebeu como existiu um relacionamento íntimo entre as
abelhas e seus criadores?
Muitos consideravam que dava azar vender suas colmeias,
porque quando assim faziam, seu ex-dono estava vendendo sua sorte.
Mas, se as colmeias fossem trocadas ou presenteadas era sinal
de boa sorte à família que recebia.
Sorte ou não, a relação homem e abelha vai além do folclore e
superstição.
De fato, esses insetos exercem um papel importantíssimo na
produção alimentar humana. São capazes de polinizar 90% de culturas alimentícias
utilizadas por nós e por outros animais. Sem as abelhas poderíamos estar fadados
a fome.
Isso explica a estreita relação e antiga tradição Celta homem
e abelha, não é mesmo?
Por fim, ainda hoje, seguimos cuidando e informando às
abelhas!
REFERÊNCIAS:
Abelhas sagradas e hidromel nas Ilhas Britânicas. Blog Avallon Hidromel, 03/05/2022. Disponível em: https://avallonhidromel.wordpress.com/2018/05/03/lendas-e-folclore-do-hidromel/. Acesso em: 14 set. 2022.
ENGLISH, Colleen. “Telling the Bees”. JSTOR Daily, 05/09/2018. Disponível em: https://daily.jstor.org/telling-the-bees/. Acesso em: 14 set. 2022.
KENNEDY, Vanny. O adorável costume de ‘contar às abelhas’. Outlander ls Brasil, 12/11/2022. Disponível em: https://outlanderlsbrasil.com/2019/11/12/o-adoravel-costume-de-contar-as-abelhas/. Acesso em: 14 set. 2022.
SOUZA, Talita de. Por superstição, abelhas de Elizabeth II foram informadas da morte da rainha. Correio Braziliense, 13/09/2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/09/5036519-por-supersticao-abelhas-de-elizabeth-ii-foram-informadas-da-morte-da-rainha.html. Acesso em: 14 set. 2022.
[1]
Bacharel em Arqueologia pela PUC-GO; Licenciada em História pela Universidade
Estácio de Sá; Especialista em História Cultural pela Universidade Federal de
Goiás; Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás; Doutora em História
pela Universidade Federal de Goiás. Copywriter na Escola de Apicultura.
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