quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Abelhas em luto pela Rainha Elizabeth II

 

Abelhas da Rainha Elizabeth II são informadas da morte de sua soberana

 



Tamiris Maia Gonçalves Pereira[1]

 

Você sabia que na Inglaterra a tradição secular de informar às abelhas sobre a morte de um ente querido ainda existe?

Pois, é! Pode parecer estranho, mas desde o século XVIII, informar às abelhas sobre a morte de uma pessoa é uma tradição.

 

Logo após a morte da Rainha Elizabeth II, ocorrida no dia 09 de setembro de 2022, o apicultor real John Chapple (79 anos) se dirigiu ao apiário no jardim do Palácio de Buckingham, amarrou faixas pretas sobre as cinco colmeias, bateu levemente em cada uma delas e disse: “A senhora está morta, mas não vá embora. Seu mestre será um bom mestre para você.”

 

Esse mesmo ato foi realizado na residência real Clarence House, onde há duas colmeias.

 

John Chapple é apicultor oficial da rainha há 15 anos e seguindo uma tradição folclórica inglesa, informou aos insetos sobre a morte da sua soberana. Falou também que seu novo mestre, Charles III, continuaria a cuidar bem delas.

 

Informar às abelhas sobre a morte de um ente da família é um dever crucial, caso contrário, as abelhas abandonam a colmeia, param de produzir mel ou morrem.

 

Esse é um ato de respeito, reciprocidade e agradecimento a esses pequenos animais, que fornecem alimento abundante para a família por gerações.

 

Em grande parte da Europa Ocidental: Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Holanda, França e Suíça, desde o século XVIII, essa tradição está presente.

 

O ritual de “contar às abelhas” tem origem céltica, mas se popularizou principalmente no século XIX devido às crises e guerras ocorridas durante esse período e permanece até os dias atuais, apesar de mais absorto.

 

Os Celtas “cantavam às abelhas” os acontecimentos importantes da vida da família, uma vez que elas eram consideradas um elo entre o nosso mundo e o mundo espiritual.

 

Em muitos lugares próximos à Nova Inglaterra as abelhas eram chamadas de fadas (brownies) e em ocasiões fúnebres diziam-se a elas: “pequenos brownies, pequenos brownies, seu mestre (ou senhora) está morto”.

 

Para os Celta, quando alguém morria e ascendia para outro mundo, logo se deparava com rios de hidromel na travessia para a Ilha das maçãs, onde o próprio mel era abundante. Esse rico alimento possuía o poder de atrair saúde, sustento e alegria.

 

Percebeu a importância do mel e das abelhas?

 

Essa prática de “contar às abelhas” sobre a morte de alguém, também está relacionada ao simbolismo da “alma que deixa o corpo” e transita para outro mundo.

 

A representação mais difundida dessa tradição de informar aos pequenos insetos sobre a morte de um indivíduo, pode ser encontrada no poema de John Greenleaf Whittier, de 1858, “Falando às abelhas”:

 

Diante deles, sob o muro do jardim,

Para a frente e para trás,

Foi cantando tristemente a pequena menina,

Drapeando cada colmeia com um pingo de preto.

 

Tremendo, eu escutei: o sol de verão

Tinha o frio da neve;

Pois eu sabia que ela estava dizendo às abelhas de um

Partiu na jornada que todos nós devemos ir!

 

 


Nesse poema, um orador anônimo diz que ao voltar à casa de uma pessoa amada depois de um ano, encontra o jardim e todos os outros objetos no mesmo lugar, exceto as colmeias de abelha da família.

 

Nota, então, que essa não é uma simples mudança, principalmente ao perceber que uma menina passa entre as colmeias colocando pedaços de tecido preto sobre elas e cantando uma melodia triste, anunciando a morte da dona da casa.

 

Esse poema mostra a importância do ritual de transmissão da dor humana às abelhas e reafirma a existência da íntima relação homem/abelha, que é mantida e preservada.

 

Geralmente, cobrir cada colmeia com um pano preto à meia-noite, bater suavemente uma vez em cada uma delas e contar a triste notícia ou cantar em versos rimados a dor da perda de alguém era parte do ritual.


Se as abelhas começassem a zumbir depois que a notícia fosse entregue, isso era visto como um bom presságio.

 

Por vezes, algumas famílias exigiam que o filho mais velho mudasse as colmeias de lugar, indicando a nova realidade da família.

 

Não contar às abelhas sobre importantes eventos, poderia trazer terríveis consequências: tenebrosos infortúnios a ela ou mesmo, o adoecimento e morte de todas as abelhas.

 

Se alguma colmeia fosse vendida e não fosse informada da morte de seu antigo dono, seu destino não poderia ser outro: adoecimento ou morte.

 

Pobre daquele que comprasse uma colmeia!

 

Mas afinal, seriam mesmo as abelhas mensageiras do outro mundo? Ou apenas animais de estimação, bem quistos pelas famílias?

 

Mito ou verdade, não só nos rituais fúnebres as abelhas estavam presentes.

 

Elas eram notificadas sobre grandes eventos da vida do apicultor, tais como o nascimento de um filho ou casamento de uma filha.

 

Na Bretanha era tradição decorar as colmeias para a festa de casamento com pano de cor escarlate e flores.

 

Na Alemanha os noivos deveriam se apresentar às abelhas ou teriam um casamento infeliz.

 

Deixavam um pedaço de bolo de casamento sobre as colmeias como forma de retribuição pela grande quantidade de mel fornecida para a comemoração.

 

Percebeu como existiu um relacionamento íntimo entre as abelhas e seus criadores?

Muitos consideravam que dava azar vender suas colmeias, porque quando assim faziam, seu ex-dono estava vendendo sua sorte.

Mas, se as colmeias fossem trocadas ou presenteadas era sinal de boa sorte à família que recebia.

Sorte ou não, a relação homem e abelha vai além do folclore e superstição.

De fato, esses insetos exercem um papel importantíssimo na produção alimentar humana. São capazes de polinizar 90% de culturas alimentícias utilizadas por nós e por outros animais. Sem as abelhas poderíamos estar fadados a fome.

Isso explica a estreita relação e antiga tradição Celta homem e abelha, não é mesmo?

Por fim, ainda hoje, seguimos cuidando e informando às abelhas!

  

REFERÊNCIAS:

Abelhas sagradas e hidromel nas Ilhas Britânicas. Blog Avallon Hidromel, 03/05/2022. Disponível em: https://avallonhidromel.wordpress.com/2018/05/03/lendas-e-folclore-do-hidromel/. Acesso em: 14 set. 2022.

ENGLISH, Colleen. “Telling the Bees”. JSTOR Daily, 05/09/2018. Disponível em: https://daily.jstor.org/telling-the-bees/. Acesso em: 14 set. 2022.

KENNEDY, Vanny. O adorável costume de ‘contar às abelhas’. Outlander ls Brasil, 12/11/2022. Disponível em: https://outlanderlsbrasil.com/2019/11/12/o-adoravel-costume-de-contar-as-abelhas/. Acesso em: 14 set. 2022.

SOUZA, Talita de. Por superstição, abelhas de Elizabeth II foram informadas da morte da rainha. Correio Braziliense, 13/09/2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/09/5036519-por-supersticao-abelhas-de-elizabeth-ii-foram-informadas-da-morte-da-rainha.html. Acesso em: 14 set. 2022.

 


[1] Bacharel em Arqueologia pela PUC-GO; Licenciada em História pela Universidade Estácio de Sá; Especialista em História Cultural pela Universidade Federal de Goiás; Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás; Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás. Copywriter na Escola de Apicultura.